O futuro da escrita no mundo da inteligência artifical
Sobre as competências essenciais para navegar no mar de conteúdo gerado por máquinas
Não dá pra fugir. A inteligência artificial vai produzir textos cada vez melhores.
Hoje ainda é possível identificar alguns vestígios de uso de IA. Mas, mais cedo do que tarde, isso não será mais possível.
À medida que as pessoas alteram os prompts para evitar essas pistas, o algoritmo assimila e incorpora os novos padrões.
A máquina usa nossas inovações linguísticas como material de treino.
É um duelo inglório.
Diante desse cenário meio distópico, eu tenho quebrado a cabeça para entender quais elementos serão necessários no futuro próximo para quem, como eu, trabalha com conteúdo.
Depois de muita reflexão, cheguei a quatro competências-chave e as organizei em um framework chamado A.L.V.O, que gostaria de compartilhar com você.
1) Autenticidade
Para navegar nesse mar de conteúdo gerado em escala industrial, teremos que ser autênticos.
E isso, na minha visão, passa por três pontos:
Experiências pessoais
Repertório cultural
Empatia e Interação
O algoritmo pode emular, mas não pode sentir. Por isso, nossas vivências são um dos nossos maiores trunfos.
No livro Como se encontrar na escrita, da escritora Ana Holanda, há um depoimento de uma de suas alunas, chamada Andréa Samico, que ilustra bem esse ponto:
“Olhar para si antes de falar altera todo um modo de pensar seu entorno, seja ele qual for, e isso se refletirá também na forma como você escreve um simples bilhete, porque isso é você.”
Boas referências ainda nos permitem ser mais criativos e gerar conexões inesperadas. Então, não podemos deixar de lado o tempo de leitura e apreciação das obras de outras pessoas.
Afinal, como bem destaca Antoine Albalat, “a leitura alimenta a imaginação, e fá-la voltar, quando se perde. É um contágio, a que ninguém se exime”.
Por fim, a empatia é o que nos possibilita gerar vínculos reais e estruturar comunidades.
A Ana Holanda diz que “a maneira como contamos a história, como escrevemos, nos fortalece e ajuda a fortalecer o outro”.
No fim das contas, autenticidade não é apenas um "estilo" — é a nossa maior linha de defesa em um mercado cada vez mais automatizado.
2) Linguagem precisa
A gramática é o manual de instruções da língua portuguesa.
É ela, inclusive, que orienta os algoritmos.
Por isso, dominar essa base é — e sempre será — um diferencial.
Saber quando usar a crase, como pontuar um texto, como usar os conectivos é indispensável para quem trabalha com conteúdo.
Dominar a norma culta nos permite ajustar o tom, adequar o vocabulário e, sobretudo, manter o controle da comunicação em qualquer situação.
Mas linguagem precisa envolve também conhecer bem os mecanismos de coesão e coerência e as estratégias de argumentação.
Nessa linha, vale lembrar os ensinamentos do professor Othon M. Garcia:
“Palavras não criam ideias, estas, se existem, é que forçosamente, acabam corporificando-se naquelas, desde que se aprenda como associá-las e concatená-las, fundindo-as em moldes frasais adequados.”
3) Valor expressivo
Se a linguagem precisa garante um texto correto e claro, os recursos de estilo e de retórica tornam a escrita memorável.
Conhecer e saber utilizar as principais figuras de retórica faz toda a diferença para seu conteúdo.
Segundo o professor Mark Torsyth, “as figuras de retórica (…) são as técnicas para tornar uma frase marcante apenas alterando sua formulação. Não dizendo algo diferente, mas dizendo algo de maneira diferente”.
Esses artifícios estilísticos nada mais são do que fórmulas para produzir grandes frases. E, se são fórmulas, podem ser aprendidas e reproduzidas por qualquer pessoa que se dedique ao seu estudo.
Entender quando lançar mão de uma metáfora para explicar um conceito, de uma anáfora para melhorar a sonoridade ou de uma pergunta retórica para provocar o leitor é algo que muda o nível da sua escrita.
No mundo saturado de informação em que vivemos, não basta transmitir uma mensagem — é preciso marcar o leitor.
Quem domina os recursos expressivos consegue emocionar, prender a atenção e transformar uma simples linha em algo que ecoa na mente de quem lê.
4) Otimização com IA
Não tem como fugir dela.
A inteligência artificial é uma ferramenta fantástica quando usada de forma ponderada.
Depois de identificar o que te torna autêntico, de entender bem as regras gramaticais e as técnicas de argumentoação, de dominar as figuras de retórica, estamos prontos para usar a IA de forma estratégica.
Com essa bagagem teórica e prática, você pode, por exemplo, pedir que o ChatGPT crie uma dícope para fechar o seu texto ou então que gere uma analogia para deixar mais clara algum trecho do seu conteúdo.
Pode ainda pedir que ele desenvolva um texto a partir de uma experiência que você teve ou que relacione um cordel com um trecho de Os Lusíadas para encontrar uma conexão inesperada.
Assim, em vez de competir com as máquinas, podemos aprender a usá-las como aliadas.
A IA pode nos ajudar a ganhar escala, testar ideias e otimizar processos. Mas o núcleo criativo — a centelha humana que gera valor real — ainda depende de nós.
Exercício prático: como começar a construir seu A.L.V.O.
Se esse framework que apresentei aqui fez sentido para você, gostaria de sugerir um exercício simples para você começar a aplicar o A.L.V.O. no seu dia a dia:
1. Autenticidade
Escolha um momento marcante da sua vida — uma viagem, uma conquista, uma dificuldade — e escreva um parágrafo conectando essa experiência a um tema do seu nicho de atuação.
2. Linguagem precisa
Revise o texto prestando atenção na pontuação, no uso de crase, na regência verbal, nos conectivos e nas estratégias argumentativas.
Tente registrar por escrito o porquê da escolha de cada elemento e também os pontos de melhoria.
3. Valor expressivo
Identifique pelo menos um trecho em que você pode usar uma figura de retórica (metáfora, anáfora, hipérbole) para tornar o texto mais forte e memorável.
Reescreva o trecho incorporando o recurso.
4. Otimização com IA
Por fim, peça a uma IA para sugerir três variações do seu texto.
Compare as versões e observe: o que a IA faz bem? O que falta?
Ajuste seu texto final combinando o melhor dos dois mundos: sua autenticidade humana e a eficiência da IA.
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Agora gostaria de ouvir você: o que achou do A.L.V.O? Pareceu útil para sua realidade?
Pedro, você sem sombra de dúvidas tem uma das newsletters mais úteis que já assinei no Substack - e olha que assino diversas outras. Eu devo ter salvo pelo menos 20 e-mails seus com conteúdos extremamente valiosos para revisitar posteriormente. Esse é mais um deles. Muito obrigado por fazer um trabalho tão bom! Não faz ideia do quanto nos ajuda.