Escrita e ChatGPT: extensão ou extinção das suas habilidades?
um convite à retomada da autoria e do pensamento crítico na era da inteligência artificial.
Quanto mais você utiliza o ChatGPT para criar seus textos, menos você mesmo é capaz de criá-los.
Você já sentiu isso também?
Escrever é antes de tudo pensar.
Dessa forma, ao produzir um texto, você combina diferentes referências que estão no seu imaginário.
Isso gera novas conexões neurais que o tornam mais inteligente durante o processo. Você passa a ver detalhes que antes não via.
Mas isso não vem de graça. Exige concentração, estudo e esforço.
E é aí que o ChatGPT entra para "facilitar" sua vida. Por meio de um algoritmo de associação de palavras, ele faz todo o trabalho duro por você.
É assim que a OpenAI ganha dinheiro.
O modelo de negócio deles monetiza nossa preguiça. Esse é o maior risco de todos.
O conforto tem um preço
Por instinto primitivo, todos nós preferimos conforto a esforço. Mas o efeito colateral é a estagnação ou – pior ainda – a involução. A perda de inteligência.
O grande perigo do ChatGPT para quem escreve é o de minar nossa confiança na nossa capacidade de escrever por conta própria.
Eu passei por isso recentemente.
Quando conheci a ferramenta, fiquei encantado com as possibilidades de gerar conteúdo em alta velocidade e de forma gratuita.
No início, recorria a ela para criar textos mais aprofundados. Com o tempo, passei a usá-la até para mensagens curtas.
Fui de mestre a escravo do algoritmo. E isso acendeu um alerta dentro de mim.
Afinal, escrever é também uma forma de aprender. De mergulhar a fundo em um tema. De refletir e comparar diferentes fontes de informação.
Quando terceirizamos esse trabalho para uma IA, perdemos uma oportunidade de melhorarmos como seres humanos.
Nos tornamos passivos diante da nossa própria vida. Um redator walking dead.
Nomear é criar
Escrever não é um simples ato mecânico. É, antes de tudo, um processo intelectual complexo de transformar pensamentos e conceitos em palavras.
Nesse sentido, cada texto é uma expressão do autor.
Para o bem ou para o mal.
Por exemplo, se decido produzir um artigo de blog apenas reproduzindo partes de outros conteúdos, isso não deixa de ser um reflexo de quem eu sou.
É um retrato de algo que está dentro de mim.
Pode ser falta de confiança, de tempo, de experiência, de vontade.
Pode ser tudo isso junto.
O fato é que, ao escrever algo de próprio punho, eu sou obrigado a encarar quem eu sou – com minhas qualidades e, principalmente, minhas limitações.
E essa é a parte edificante do processo.
O atalho que vira armadilha
Usar o ChatGPT é uma forma de pular esse processo de autorreflexão e chegar direto ao resultado.
É prático, rápido e indolor.
Mas pode ser extremamente perigoso também.
Se usado de forma irrefletida, às pressas, com foco apenas na praticidade, a IA pode acabar mimando sua autoconfiança.
Pode gerar dependência. Pode derreter seu cérebro aos poucos (alô, brain rot!).
Eu vivi isso na pele. Comecei a sentir que meu raciocínio estava enferrujando.
Por isso, decidi me forçar a escrever todos os dias.
Além disso, também comecei a entender a importância de desenvolver um arcabouço cultural sólido.
Só assim vou conseguir de fato usar a IA como uma extensão das minhas competências, e não como uma substituta dela.
Você também se sente assim?
O truque do elogio
Você já percebeu como o ChatGPT gosta de elogiar suas perguntas?
Isso não acontece porque seus criadores eram pessoas gentis e iluminadas.
Pelo menos, não só por isso...
Um estudo realizado em 2023 pelo MIT Media Lab mostrou que quanto mais empatia sentimos pelo Chat, mais cremos em suas respostas.
É o velho truque do galanteador. Elogia para baixar as defesas.
Isso pode parecer algo inofensivo a princípio, mas esconde um efeito perigoso.
A confiança é uma mulher ingrata, como nos ensinaram os Racionais.
Toda IA é falha e dá respostas alucinadas.
Quando deixamos nosso senso crítico de lado, podemos acabar aceitando informações falsas como verdadeiras.
Verdadeiras apenas porque foram ditas com um sorriso no rosto.
Quando a IA alucina (e você acredita)
O ChatGPT inventou duas citações (literais) de dois dos principais gramáticos da Língua Portuguesa.
É isso mesmo.
Eu estava pesquisando uma informação sobre a proibição do uso da locução prepositiva “devido a” com orações reduzidas de infinitivo e decidi consultar o ChatGPT para ter um norte.
Ele então me trouxe essas duas citações, uma do Evanildo Bechara e outra do Celso Cunha.
Como tenho essas duas obras, achei melhor conferir no original. Mas não encontrei em lugar algum.
Então, decidi fazer uma busca nos arquivos PDF das gramáticas.
Nada dessas citações também.
Por fim, questionei o próprio ChatGPT, que respondeu o seguinte:
“As citações exatas atribuídas a Bechara e Cunha & Cintra, da forma como foram escritas acima, não constam literalmente nas obras mencionadas. Ou seja, essas citações não estão corretas como transcrição literal.”
Moral da história: nunca confie cegamente na ferramenta. Sempre cheque as fontes. Sempre!
Um texto que ninguém vai ler
Com o ChatGPT é possível criar em segundos um texto que ninguém vai gastar um segundo para ler.
Claro que há exceções, mas são raras.
Você também sente isso?
Com o tsunami de conteúdos medianos gerados por IA, a atenção das pessoas está mais concorrida e mais dispersa.
Como nosso cérebro é bom em identificar padrões, quando lemos um conteúdo desse tipo, a sensação é que já lemos todos os outros.
O caminho então é fugir do padrão. Sair da manada.
Mas como fazer isso?
Eu vejo dois caminhos:
Aprender a usar prompts mais refinados para instruir o Chat.
Escrever você mesmo os conteúdos. De próprio punho (ou próprios dedos).
Nos dois casos, você vai precisar ter boas referências. Vai precisar se esforçar.
No final das contas, para gerar bons conteúdos, é preciso antes ter conteúdo.
Concorda?
Excelente texto!! Muito obrigado!